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Charlie Hebdo: Aumentou a consciência do perigo e da manipulação da intolerância
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Dez anos após o ataque ao Charlie Hebdo, o jornal satírico diz-se “indestrutível” numa edição especial publicada esta terça-feira, 07 de Janeiro. Um número com 40 caricaturas subordinadas ao tema “rir de Deus”. Álvaro Vasconcelos, antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, sublinha que, nestes dez anos, aumentou a consciência dos perigos que representa o islamismo hiper radical e, também consciência da possibilidade desses temas serem manipulados.
Dez anos após o ataque que na quarta-feira 07 de Janeiro de 2015 tirou a vida a 12 pessoas, entre elas oito elementos da redacção do semanário, o "Charlie Hebdo" continua a "ter vontade de rir". O jornal era alvo de ameaças desde 2006, na sequência da publicação de caricaturas do profeta Maomé.
Álvaro Vasconcelos, antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, sublinha que, nestes dez anos, aumentou a consciência dos perigos que representa o islamismo hiper radical e, também consciência da manipulação destes temas.
RFI: Dez anos depois do ataque ao jornal Charlie Hebdo, o que é que mudou?
Álvaro Vasconcelos: Uma coisa que acho que mudou - e mudou claramente - foi uma consciência muito maior do perigo da intolerância, daquilo que representava o islamismo hiper radical. Por outro lado, e não menos importante, a consciência de que não se deve confundir o islamismo hiper radical com os muçulmanos em geral, apesar de, no seguimento da crise das caricaturas - antes do Charlie Hebdo - na Dinamarca, com a publicação das primeiras caricaturas, ter havido uma grande manipulação da questão por parte das ditaduras árabes, nomeadamente no Egipto, para mobilizarem a opinião pública de uma forma favorável ao regime e anti-europeia, contra a liberdade de expressão na Europa.
Acho que hoje se tem mais consciência de que, por um lado, a intolerância é absolutamente inaceitável - intolerância contra a criação artística - isto na Europa. Mas, por outro lado, também há consciência da possibilidade desses temas serem manipulados por correntes e por forças políticas que não têm como objectivo a defesa dos direitos fundamentais e da liberdade de expressão, mas apenas ou estigmatizar a comunidade muçulmana ou vice-versa, manipular as comunidades muçulmanas contra exactamente a democracia e liberdade de expressão.
Há, eventualmente, um antes e um após este ataque que foi o primeiro de vários em 2015, em França?
A nível político acho que houve uma dupla consequência. Por um lado, uma consciência maior da ameaça que representava o islamismo hiper radical e, por outro lado, maior consciência da necessidade de tomar medidas específicas para proteger os jornalistas.
Ao mesmo tempo, se uma parte das correntes políticas percebeu que não se pode confundir os muçulmanos com os atentados de Charlie Hebdo, nós vimos a extrema-direita crescer em todo o lado na Europa e a fazer dos muçulmanos, nomeadamente dos imigrantes e dos muçulmanos, uma ameaça.
Portanto, acho que é complexo pensarmos o Charlie Hebdo apenas na perspectiva fundamental da liberdade de expressão. Devemos, também, pensar como é que as correntes da extrema-direita manipulam o islamismo para crescerem na Europa e como manipularam todos estes acontecimentos, confundindo o mundo muçulmano, os muçulmanos e os crentes com aqueles terríveis assassinos que mataram os jornalistas do Charlie Hebdo.
A mesma extrema-direita que saiu à rua três dias após os atentados de 07 de Janeiro de 2015, para desfilar na defesa dos valores do Charlie Hebdo.
Eu não creio que a extrema-direita alguma vez possa defender os valores do Charlie Hebdo.
O Charlie Hebdo foi sempre um jornal iconoclasta, um jornal que sempre caricaturou os excessos e os extremismos. Um jornal que foi sempre anticlerical e, portanto, a extrema-direita - que tem certamente correntes que são fortemente integristas católicos - não se revê no Charlie Hebdo. Quando ela se manifesta supostamente em favor da liberdade de expressão, não é para se manifestar a favor da liberdade de expressão, é para atacar os muçulmanos. É para confundir os assassinos que cometeram os actos terroristas com a comunidade muçulmana em geral. Isso é, no fundo, como a extrema-direita tem crescido na Europa, atacando os muçulmanos e os imigrantes em geral.
Nessa amálgama de informação e desinformação, para a qual também contribuem imenso as redes sociais?
O que é que aconteceu com as redes sociais? Nós tínhamos a informação de jornais e televisões, de jornais de referência, que era uma informação, no fundo, controlada, pensada, testada, garantida a sua fidelidade, verdadeira ou que procurava ser a mais verdadeira possível - o que não quer dizer que não houvesse também, por vezes, mentiras veiculadas e propaganda veiculada pela imprensa.
Ora, hoje toda a gente tem direito a falar. Ainda bem! Há um aspecto positivo: a sociedade de informação empoderou os cidadãos. Passaram a ter direito a falar. Mas falam sem qualquer deontologia. Enquanto na imprensa há deontologia, nas redes sociais não há deontologia e não há controlo sobre as redes sociais. Aliás, todas as tentativas de controlo enfrentam enormes obstáculos.
Portanto, as redes sociais são um veículo importantíssimo para a afirmação da opinião pública. Vemos que a sociedade civil se mobiliza pelas redes sociais, que as grandes campanhas, por exemplo, no Irão, em defesa dos direitos das mulheres, são feitas pelas redes sociais. Mas, também, permitem toda a desinformação, toda a mentira, todas as campanhas de ódio.
E de propaganda terrorista?
Evidentemente, vemos que as pessoas que cometeram actos de terror têm sempre uma enorme preocupação daquilo ser tudo filmado e aparecer nas redes sociais e em redes que nós não conhecemos, o que chama se ‘dark web’, onde essas correntes vão veiculando a sua propaganda e criando os seus adeptos.
É uma situação extremamente grave para a democracia e que obriga a medidas que ainda não foram tomadas para a regulação das redes sociais. É possível. A União Europeia tem que o fazer e têm que o fazer os Estados democráticos em geral.
A França endureceu a sua legislação em relação ao terrorismo. A acção policial também foi endurecida a nível de segurança. Essas mudanças vieram para ficar, mas não quer dizer que estejam neste momento a ser benéficas para toda a população.
Não são benéficas para a população, não são benéficas para a democracia e não são eficazes na luta contra o terrorismo. Uma coisa que se sabe é que a única forma eficaz de combater esses grupos, do ponto de vista da segurança, é pela infiltração e pela informação e pelo acompanhamento dos grupos e das pessoas. É toda uma actividade do domínio do secreto. É aí que tem havido sucessos vários em França e noutros países, de se ter desmantelado grupos que preparavam actos de terror e de se ter prevenido actos terroristas.
O reforço do aparelho securitário em relação à acção da polícia, a criação de um clima securitário nos países a pretexto da luta contra o terrorismo, não só não é eficaz contra o terrorismo, como facilita imenso o caminho da extrema-direita, porque cria a ideia de que existe uma ameaça grave à segurança que vem dos que são diferentes, que vem do outro. E isso é um problema gravíssimo que explica, em parte, o crescimento da extrema direita.
Conhece perfeitamente Paris, o modo de vida dos parisienses mudou na sequência dos atentados?
De imediato, a sensação que eu tive quando ia a Paris, nos meses que se seguiram aos atentados, é que as pessoas eram mais cuidadosas, que tinham mais medo. Amigos que me diziam: ‘eu agora olho para a esquerda, olho para a direita, vejo se debaixo dos assentos há algum saco’. Isso já tinha acontecido em atentados anteriores no metro de Paris, nos anos 90. Tenho a impressão que, com o tempo, a vida voltou mais ou menos ao normal. Pelo menos é a minha impressão.
O objectivo do terrorismo é criar o terror, criar medo na população. Eles matam pessoas, é terrível, mas o objectivo daqueles atentados é matar pessoas de forma indiscriminada.
É a instalação do medo.
Exactamente. Para que todas as pessoas pensem que podem ser alvos de um acto de terror, para criar medo na sociedade, com um duplo objectivo para esses grupos, por um lado, publicitarem-se - ganharem mais apoio nalguns sectores hiper radicalizados da sociedade - e, por outro lado, é também uma forma de obrigar os Estados recuarem em certo número de medidas que estão a tomar.
Certamente que um dos objectivos do acto de terror contra ao Charlie Hebdo, era que os caricaturistas tivessem muito mais cuidado nas caricaturas que faziam. Teve algum impacto? Teve certamente, se calhar menos impacto que eles pensavam, porque uma característica dos caricaturistas é a sua extrema coragem, porque senão não seriam caricaturistas. E vimos que o Charlie Hebdo continuou e continuou a fazer caricaturas.
Ao longo de dez anos não acha que os próprios meios de comunicação social se auto-censuram mais, com algum receio de represálias?
É muito possível que com o andar dos tempos, o medo de represálias levou jornais a tomarem determinados cuidados, mas não noto que, em relação à crítica do islamismo radical, isso tenha diminuído na imprensa em consequência do Charlie Hebdo. Não me parece.
Mesmo os questionamentos que na altura se levantaram em relação aos limites da liberdade de imprensa, que essa liberdade de imprensa não pode atingir a liberdade religiosa ou ferir a liberdade religiosa.
Esse debate existe e é mais antigo que os ataques de terror contra o Charlie Hebdo. Saber até onde é que é liberdade de imprensa e a partir de quando é discriminação religiosa, social, racial.
Se olharmos historicamente, as caricaturas, no final do século XIX, princípio do século XX, em relação aos judeus eram terríveis e certamente condicionaram uma parte da opinião pública a fazer uma imagem extremamente negativa dos judeus em geral, embora fossem caricaturas contra um determinado banqueiro judeu ou contra aspectos da religião judaica.
Esse debate é legítimo. De facto, é preciso saber quais são os limites entre a liberdade criativa e o discurso do ódio ou o incitamento ao ódio.
Sendo um debate legítimo, não significa que a liberdade criativa deve ser posta em causa. Deve haver leis. Aliás, várias vezes, sectores da comunidade muçulmana em França procuraram julgar os jornalistas do Charlie Hebdo por caricaturas que eram feitas. Sem consequências. Porquê? Porque não faziam algo que a lei proibisse. E o que se aplica é a lei geral do país, é a lei que não permite o crime de ódio, que acha que o crime de ódio, o crime racial, é um crime. A lei que permitindo a liberdade de imprensa e considerando a liberdade de imprensa essencial, também acha que é um crime o incitamento ao ódio racial.
Internacionalmente, ou seja, olhada de fora, os atentados afectaram a imagem de França?
Por um lado, havia o sublinhar que a França era a terra das luzes, do Iluminismo, da liberdade criativa. Que havia uma tradição em França anticlerical, que tinha o seu fundamento exactamente nas correntes iluministas e racionalistas, e que isso era parte do património francês. Distinto de outros países onde esse património não existe e o anticlericalismo e a caricatura anticlerical é mal aceite.
Por outro lado, no mundo muçulmano, onde o anticlericalismo não é aceite e onde se pensou que estava a atacar o profeta Maomé e a religião muçulmana e não aspectos específicos da ação dos grupos do terror que se reivindicam dos muçulmanos, mas que não são representativos dos muçulmanos.
No mundo muçulmano houve, evidentemente, uma reacção extremamente negativa. Conheci muito poucas pessoas, nos países árabes, de religião muçulmana, que achassem bem aquelas caricaturas.
Como também houve na Europa, nos Estados Unidos e no Reino Unido, países com outras tradições, muita gente que achou mal aquelas caricaturas, que as criticou.
Por exemplo, uma das caricaturas é Maomé com turbante e uma bomba na cabeça. Isso foi visto como sendo uma identificação entre o Islão e o terror. Mas para outras pessoas, era uma crítica à manipulação do Islão pelos terroristas.
Foi um debate que, no essencial, não prejudicou a imagem da França no mundo, junto dos democratas, perceberam as nuances e o contexto francês.
Mas, possivelmente, prejudicou junto dos países de maioria muçulmana e, sobretudo, esse debate, o ataque ao terror em particular e a sua manipulação, facilitou o crescimento da extrema-direita.
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Dez anos após o ataque ao Charlie Hebdo, o jornal satírico diz-se “indestrutível” numa edição especial publicada esta terça-feira, 07 de Janeiro. Um número com 40 caricaturas subordinadas ao tema “rir de Deus”. Álvaro Vasconcelos, antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, sublinha que, nestes dez anos, aumentou a consciência dos perigos que representa o islamismo hiper radical e, também consciência da possibilidade desses temas serem manipulados.
Dez anos após o ataque que na quarta-feira 07 de Janeiro de 2015 tirou a vida a 12 pessoas, entre elas oito elementos da redacção do semanário, o "Charlie Hebdo" continua a "ter vontade de rir". O jornal era alvo de ameaças desde 2006, na sequência da publicação de caricaturas do profeta Maomé.
Álvaro Vasconcelos, antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, sublinha que, nestes dez anos, aumentou a consciência dos perigos que representa o islamismo hiper radical e, também consciência da manipulação destes temas.
RFI: Dez anos depois do ataque ao jornal Charlie Hebdo, o que é que mudou?
Álvaro Vasconcelos: Uma coisa que acho que mudou - e mudou claramente - foi uma consciência muito maior do perigo da intolerância, daquilo que representava o islamismo hiper radical. Por outro lado, e não menos importante, a consciência de que não se deve confundir o islamismo hiper radical com os muçulmanos em geral, apesar de, no seguimento da crise das caricaturas - antes do Charlie Hebdo - na Dinamarca, com a publicação das primeiras caricaturas, ter havido uma grande manipulação da questão por parte das ditaduras árabes, nomeadamente no Egipto, para mobilizarem a opinião pública de uma forma favorável ao regime e anti-europeia, contra a liberdade de expressão na Europa.
Acho que hoje se tem mais consciência de que, por um lado, a intolerância é absolutamente inaceitável - intolerância contra a criação artística - isto na Europa. Mas, por outro lado, também há consciência da possibilidade desses temas serem manipulados por correntes e por forças políticas que não têm como objectivo a defesa dos direitos fundamentais e da liberdade de expressão, mas apenas ou estigmatizar a comunidade muçulmana ou vice-versa, manipular as comunidades muçulmanas contra exactamente a democracia e liberdade de expressão.
Há, eventualmente, um antes e um após este ataque que foi o primeiro de vários em 2015, em França?
A nível político acho que houve uma dupla consequência. Por um lado, uma consciência maior da ameaça que representava o islamismo hiper radical e, por outro lado, maior consciência da necessidade de tomar medidas específicas para proteger os jornalistas.
Ao mesmo tempo, se uma parte das correntes políticas percebeu que não se pode confundir os muçulmanos com os atentados de Charlie Hebdo, nós vimos a extrema-direita crescer em todo o lado na Europa e a fazer dos muçulmanos, nomeadamente dos imigrantes e dos muçulmanos, uma ameaça.
Portanto, acho que é complexo pensarmos o Charlie Hebdo apenas na perspectiva fundamental da liberdade de expressão. Devemos, também, pensar como é que as correntes da extrema-direita manipulam o islamismo para crescerem na Europa e como manipularam todos estes acontecimentos, confundindo o mundo muçulmano, os muçulmanos e os crentes com aqueles terríveis assassinos que mataram os jornalistas do Charlie Hebdo.
A mesma extrema-direita que saiu à rua três dias após os atentados de 07 de Janeiro de 2015, para desfilar na defesa dos valores do Charlie Hebdo.
Eu não creio que a extrema-direita alguma vez possa defender os valores do Charlie Hebdo.
O Charlie Hebdo foi sempre um jornal iconoclasta, um jornal que sempre caricaturou os excessos e os extremismos. Um jornal que foi sempre anticlerical e, portanto, a extrema-direita - que tem certamente correntes que são fortemente integristas católicos - não se revê no Charlie Hebdo. Quando ela se manifesta supostamente em favor da liberdade de expressão, não é para se manifestar a favor da liberdade de expressão, é para atacar os muçulmanos. É para confundir os assassinos que cometeram os actos terroristas com a comunidade muçulmana em geral. Isso é, no fundo, como a extrema-direita tem crescido na Europa, atacando os muçulmanos e os imigrantes em geral.
Nessa amálgama de informação e desinformação, para a qual também contribuem imenso as redes sociais?
O que é que aconteceu com as redes sociais? Nós tínhamos a informação de jornais e televisões, de jornais de referência, que era uma informação, no fundo, controlada, pensada, testada, garantida a sua fidelidade, verdadeira ou que procurava ser a mais verdadeira possível - o que não quer dizer que não houvesse também, por vezes, mentiras veiculadas e propaganda veiculada pela imprensa.
Ora, hoje toda a gente tem direito a falar. Ainda bem! Há um aspecto positivo: a sociedade de informação empoderou os cidadãos. Passaram a ter direito a falar. Mas falam sem qualquer deontologia. Enquanto na imprensa há deontologia, nas redes sociais não há deontologia e não há controlo sobre as redes sociais. Aliás, todas as tentativas de controlo enfrentam enormes obstáculos.
Portanto, as redes sociais são um veículo importantíssimo para a afirmação da opinião pública. Vemos que a sociedade civil se mobiliza pelas redes sociais, que as grandes campanhas, por exemplo, no Irão, em defesa dos direitos das mulheres, são feitas pelas redes sociais. Mas, também, permitem toda a desinformação, toda a mentira, todas as campanhas de ódio.
E de propaganda terrorista?
Evidentemente, vemos que as pessoas que cometeram actos de terror têm sempre uma enorme preocupação daquilo ser tudo filmado e aparecer nas redes sociais e em redes que nós não conhecemos, o que chama se ‘dark web’, onde essas correntes vão veiculando a sua propaganda e criando os seus adeptos.
É uma situação extremamente grave para a democracia e que obriga a medidas que ainda não foram tomadas para a regulação das redes sociais. É possível. A União Europeia tem que o fazer e têm que o fazer os Estados democráticos em geral.
A França endureceu a sua legislação em relação ao terrorismo. A acção policial também foi endurecida a nível de segurança. Essas mudanças vieram para ficar, mas não quer dizer que estejam neste momento a ser benéficas para toda a população.
Não são benéficas para a população, não são benéficas para a democracia e não são eficazes na luta contra o terrorismo. Uma coisa que se sabe é que a única forma eficaz de combater esses grupos, do ponto de vista da segurança, é pela infiltração e pela informação e pelo acompanhamento dos grupos e das pessoas. É toda uma actividade do domínio do secreto. É aí que tem havido sucessos vários em França e noutros países, de se ter desmantelado grupos que preparavam actos de terror e de se ter prevenido actos terroristas.
O reforço do aparelho securitário em relação à acção da polícia, a criação de um clima securitário nos países a pretexto da luta contra o terrorismo, não só não é eficaz contra o terrorismo, como facilita imenso o caminho da extrema-direita, porque cria a ideia de que existe uma ameaça grave à segurança que vem dos que são diferentes, que vem do outro. E isso é um problema gravíssimo que explica, em parte, o crescimento da extrema direita.
Conhece perfeitamente Paris, o modo de vida dos parisienses mudou na sequência dos atentados?
De imediato, a sensação que eu tive quando ia a Paris, nos meses que se seguiram aos atentados, é que as pessoas eram mais cuidadosas, que tinham mais medo. Amigos que me diziam: ‘eu agora olho para a esquerda, olho para a direita, vejo se debaixo dos assentos há algum saco’. Isso já tinha acontecido em atentados anteriores no metro de Paris, nos anos 90. Tenho a impressão que, com o tempo, a vida voltou mais ou menos ao normal. Pelo menos é a minha impressão.
O objectivo do terrorismo é criar o terror, criar medo na população. Eles matam pessoas, é terrível, mas o objectivo daqueles atentados é matar pessoas de forma indiscriminada.
É a instalação do medo.
Exactamente. Para que todas as pessoas pensem que podem ser alvos de um acto de terror, para criar medo na sociedade, com um duplo objectivo para esses grupos, por um lado, publicitarem-se - ganharem mais apoio nalguns sectores hiper radicalizados da sociedade - e, por outro lado, é também uma forma de obrigar os Estados recuarem em certo número de medidas que estão a tomar.
Certamente que um dos objectivos do acto de terror contra ao Charlie Hebdo, era que os caricaturistas tivessem muito mais cuidado nas caricaturas que faziam. Teve algum impacto? Teve certamente, se calhar menos impacto que eles pensavam, porque uma característica dos caricaturistas é a sua extrema coragem, porque senão não seriam caricaturistas. E vimos que o Charlie Hebdo continuou e continuou a fazer caricaturas.
Ao longo de dez anos não acha que os próprios meios de comunicação social se auto-censuram mais, com algum receio de represálias?
É muito possível que com o andar dos tempos, o medo de represálias levou jornais a tomarem determinados cuidados, mas não noto que, em relação à crítica do islamismo radical, isso tenha diminuído na imprensa em consequência do Charlie Hebdo. Não me parece.
Mesmo os questionamentos que na altura se levantaram em relação aos limites da liberdade de imprensa, que essa liberdade de imprensa não pode atingir a liberdade religiosa ou ferir a liberdade religiosa.
Esse debate existe e é mais antigo que os ataques de terror contra o Charlie Hebdo. Saber até onde é que é liberdade de imprensa e a partir de quando é discriminação religiosa, social, racial.
Se olharmos historicamente, as caricaturas, no final do século XIX, princípio do século XX, em relação aos judeus eram terríveis e certamente condicionaram uma parte da opinião pública a fazer uma imagem extremamente negativa dos judeus em geral, embora fossem caricaturas contra um determinado banqueiro judeu ou contra aspectos da religião judaica.
Esse debate é legítimo. De facto, é preciso saber quais são os limites entre a liberdade criativa e o discurso do ódio ou o incitamento ao ódio.
Sendo um debate legítimo, não significa que a liberdade criativa deve ser posta em causa. Deve haver leis. Aliás, várias vezes, sectores da comunidade muçulmana em França procuraram julgar os jornalistas do Charlie Hebdo por caricaturas que eram feitas. Sem consequências. Porquê? Porque não faziam algo que a lei proibisse. E o que se aplica é a lei geral do país, é a lei que não permite o crime de ódio, que acha que o crime de ódio, o crime racial, é um crime. A lei que permitindo a liberdade de imprensa e considerando a liberdade de imprensa essencial, também acha que é um crime o incitamento ao ódio racial.
Internacionalmente, ou seja, olhada de fora, os atentados afectaram a imagem de França?
Por um lado, havia o sublinhar que a França era a terra das luzes, do Iluminismo, da liberdade criativa. Que havia uma tradição em França anticlerical, que tinha o seu fundamento exactamente nas correntes iluministas e racionalistas, e que isso era parte do património francês. Distinto de outros países onde esse património não existe e o anticlericalismo e a caricatura anticlerical é mal aceite.
Por outro lado, no mundo muçulmano, onde o anticlericalismo não é aceite e onde se pensou que estava a atacar o profeta Maomé e a religião muçulmana e não aspectos específicos da ação dos grupos do terror que se reivindicam dos muçulmanos, mas que não são representativos dos muçulmanos.
No mundo muçulmano houve, evidentemente, uma reacção extremamente negativa. Conheci muito poucas pessoas, nos países árabes, de religião muçulmana, que achassem bem aquelas caricaturas.
Como também houve na Europa, nos Estados Unidos e no Reino Unido, países com outras tradições, muita gente que achou mal aquelas caricaturas, que as criticou.
Por exemplo, uma das caricaturas é Maomé com turbante e uma bomba na cabeça. Isso foi visto como sendo uma identificação entre o Islão e o terror. Mas para outras pessoas, era uma crítica à manipulação do Islão pelos terroristas.
Foi um debate que, no essencial, não prejudicou a imagem da França no mundo, junto dos democratas, perceberam as nuances e o contexto francês.
Mas, possivelmente, prejudicou junto dos países de maioria muçulmana e, sobretudo, esse debate, o ataque ao terror em particular e a sua manipulação, facilitou o crescimento da extrema-direita.
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